O lema Totus Tuus, que resume toda a espiritualidade cristocêntrica e mariana de São Luís Maria Grignion de Montfort (1673-1716), foi o fio condutor de toda a vida do ( Beato) João Paulo II. O santo francês e o seu grande discípulo polonês são dois exemplos luminosos da mesma santidade sacerdotal, de uma vida inteiramente vivida no amor de Jesus e aos irmãos sob a guia materna de Maria. Totus tuus! Duas palavras que são uma oração endereçada a Jesus por meio de Maria e de seu Coração Imaculado. É um ato de amor como um dom total de si.
Na vida de Karol Wojtyla, este Totus tuus transformou-se como o respiro de sua alma, o batido do seu coração a partir de 1940 quando descobriu, à idade de vinte anos, o Tratado de Montfort. Muitas vezes, João Paulo II contara tudo isso. O fez de modo especial, em 1996, por ocasião do seu 50º aniversário sacerdotal no livro Dom e mistério. Segundo o seu testemunho, foi um leigo, Jan Tyranowski – agora Servo de Deus – que o fez conhecer o Tratado de Montfort e as obras de São João da Cruz, abrindo-o a mais profunda vida espiritual, nos duríssimos anos da ocupação nazista na Polônia. O jovem Karol tinha que trabalhar como um operário em uma fábrica, descobrindo progressivamente a sua vocação ao sacerdócio.
Falando deste período, João Paulo II insistia sobre o “fio mariano” que guiou toda sua vida desde a infância, na sua família, na sua paróquia, na devoção carmelita ao escapulário e a devoção salesiana a Maria Auxiliadora. A descoberta do Tratado – recorda o próprio Papa polonês – o ajudou a dar um passo decisivo no seu caminho mariano, superando uma certa crise. “Teve um momento no qual coloquei em qualquer modo em discussão o meu culto por Maria, considerando que esse, dilatando-se excessivamente, terminava por comprometer a supremacia do culto devido a Cristo. Veio-me então de ajuda um livro de São Luís Maria Grignion de Montfort que leva o título de Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem. Neste encontrei a resposta às minhas perplexidades. Sim, Maria nos aproxima a Cristo, nos conduz a Ele, com a condição que se viva o seu mistério em Cristo (...). O autor é um teólogo de classe. O seu pensamento mariológico é enraizado no mistério trinitário e na verdade da Encarnação do Verbo (...). Eis explicada a proveniência do Totus tuus. A expressão provém de São Luís de Montfort. É a abreviação da forma mais completa de abandono à Mãe de Deus que soa assim: Totus tuus ego sum et omnia mea tua sunt. Accipio te in mea omnia. Praebe mihi cor tuum, Maria" (Dom e mistério, pp. 38-39).
Estas palavras em latim, continuamente rezadas e reescritas por Karol Wojtyla nas primeiras páginas de seus manuscritos, se encontram no fim do Tratado de Montfort, quando o santo invita o fiel a viver a Comunhão Eucarística com Maria e em Maria. É necessário também sublinhar que este Totus tuus transforma-se para sempre, de 1940 a 2005, como a linha diretiva de toda a vida de Karol Wojtyla, como seminarista e sacerdote e depois como bispo e Papa. Quando, em 1958 é nomeado por Pio XII o bispo auxiliar de Cracóvia, escolhe já o Totus tuus como lema episcopal, junto ao brasão que simboliza Cristo redentor e Maria junto a Ele, o mesmo que conservará como Papa. E, sobretudo o viverá até o fim, nos grandes sofrimentos dos últimos meses. Depois da traqueotomia, não podendo mais falar, escreverá por fim as palavras Totus tuus. Sabemos também de pessoas mais próximas a ele que lia todo dia um trecho do Tratado.
Nos seus escritos, João Paulo II fez freqüente referência a São Luís Maria, como por exemplo, na Redemptoris Mater (n. 48). Mas, em modo particular, perto do fim de seu pontificado, nos deixou uma belíssima síntese de sua doutrina interpretada à luz do Concílio Vaticano II, na sua Carta aos religiosos e religiosas das famílias monfortinas de 8 de dezembro de 2003. É talvez o texto que mais nos ilumina para entendermos o significado teológico profundo do Totus tuus e do brasão episcopal.
A “perfeita devoção a Maria” ensinada por São Luís consiste essencialmente na doação total de si expressada no Totus tuus, integrando todas as boas práticas de devoção, especialmente o rosário. Mas o mais profundo é a “prática interior”, vida interior, um caminho de vida espiritual profunda que deve levar à santidade. Não existe dúvida que João Paulo II tenha vivido esta espiritualidade mariana no nível mais alto da união transformante com Cristo. O pedido Praebe mihi cor tuum, o Maria foi atendido. O próprio São Luís Maria, que possui a maravilhosa experiência dessa “identificação mística com Maria” espera que a sua doutrina dará muitos frutos nos séculos sucessivos da Igreja.
Apresentando os “efeitos maravilhosos” (Tratado da Verdadeira Devoção a Maria, 213-225) desta “perfeita devoção” São Luís Maria nos mostra como a pessoa que vive plenamente o Totus tuus caminha com Maria na via da humildade evangélica, que é via de amor, de fé e de esperança. No final de sua Carta aos religiosos e religiosas das famílias monfortinas, João Paulo II sintetiza este ensinamento do Tratado sempre à luz da Lumen Gentium. A santidade à qual todos são chamados não é outra que a perfeição da caridade. Nesta vida sobre a terra, a humildade é a maior característica da caridade. “É próprio do amor rebaixar-se”, escrevia Santa Teresinha de Lisieux no início de sua História de uma alma. É o mesmo amor de Deus que em Jesus se faz pequeno e pobre do presépio até a Cruz. E é o significado profundo da “Santa Escravidão de Amor”.
O ponto final da Lumen Gentium é a contemplação de “Maria, símbolo de certa esperança e de consolação para o povo de Deus em peregrinação” (n. 68-69). Nesta luz termina também a Carta à Família Monfortina de João Paulo II, citando as últimas linhas da Lumen Gentium e resumindo a doutrina de Montfort sobre a esperança vivida com Maria, defendendo-o em particular contra a injusta acusação de “milenarismo”. E se recorda como, na antífona Salve Rainha, a Igreja chama a Mãe de Deus “Esperança nossa”.
Em todas as dificuldades da vida sacerdotal, Maria é e sempre será a âncora de esperança, uma esperança segura para o futuro da Igreja e para a salvação do mundo. Assim também Papa Bento XVI, que quis fortemente este Ano Sacerdotal, apresentou Maria no final de sua encíclica Spe salvi como a “Estrela da Esperança” (n. 49-50).
Fonte: L'Osservatore Romano
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